quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Falar de ti, é quase uma violação



Falar de ti, é quase uma violação.
Perdoa, mas tu ficaste no meu pensamento. Nos meus olhos. No meu sangue.

Todo tu estás em mim!
… e eu sou cor nessas paredes frias do pensamento das gentes.
Porque te desnudas assim?
Guarda o teu segredo, e deixa-me ser eu a descobrir-te e a mostrar-te ao mundo.

Tu és Zola, Beaudelaire, Rosalia.
Tu tens a revolta de Brell, tu tens a musicalidade de Guilhermina
                        Suggia, nos acordes dos teus corpos.
Tu foste tal Manitas del Plata quando teus olhos tocaram meu corpo
feito Mundo, feito traço.
Meu corpo linha no horizonte,
Meu corpo um ponto onde teus olhos curiosos e inquietos pousaram
uma vida nesse momento, Fica!

Queria falar da tua pintura, e ver nela o que os entendidos
sabem ver e reconhecer.
Os períodos, as técnicas, as escolas… mas como posso eu, pobre
menina pobre, tão pobre como ignorante, falar de ti,
falar da tua Arte!

Como posso reconhecer a subtileza do traço de Ingres, os seus nús,
a sua Odalisca tão bela, tão fria.
                                               - Não, não posso!
Mas posso!... e sei dizer-te porque o sinto!
Tu vais mais além, tu vais até ao ser!
Como poderei falar de Modigliani, de Matisse, de Goya?
Como poderei falar de ti, que nada entendo.
Sei que senti as tuas mãos no recorte desse corpo
                                                - feito meu corpo!

Senti-te na macieza do mármore de Rodim,
Senti a suavidade das minhas palavras já ditas.

Na tua pintura cortada e recortada.
Se eu pudesse ser barco, navegar no teu corpo feito mar…
e foi na cor, na firmeza do teu traço,
que fiz a minha viagem até séculos atrás,
viajei até à minha rua.
Rua da cor de papel de embrulho da mercearia do largo.
Rua parda, suja, escorregadia.
Foi nas tuas gentes que me vi, mas eu digo nessas outras gentes,
não aquelas com ar de comodoro – mas nessas outras!
De linhas suaves ou agrestes, linhas sugeridas ou mostradas.
Quisera cantar-te, pintar-te, moldar-te!
Mas onde estariam a Voz, os pincéis, o barro?
Tu que és tão forte!
É na subtileza do teu traço, Pomar que eu digo:
“que distância vai de mim para ti? nem eu sei!”
E na violência do teu gesto, te espero.
Espero teu corpo todo falo perdido na montanha do meu corpo.
Se eu tivesse a ousadia de te dizer! se tu fosses o homem que cava a terra, dir-te-ia…
“Vem Homem, traz a tua enxada e verá a terra por cavar em corpo de mulher, mas mulher mesmo.”
Se tu Homem fosses um caminhante, dir-te-ia…
“Descansa em mim os teus pés doridos, e eu serei a tua pousada!”
Vem Homem porque eu sou terra, sou Gaia, sou Norte.
Que simples seria se tu fosses um operário da construção!
Vem, Homem, e constrói-me pedra por pedra.
Se fosses, só poeta! cantaria contigo…
Canta, Homem,
Canta, brada, faz da tua pena o apelo à verdade.
Mas, Homem, não esqueças o Amor!
Se tu fosses simplesmente um Homem…
Vem, Homem, e faz comigo o Amor.
Assim:
Assim, como posso eu dizer-te, se tu és tudo isto!
Tu és toda esta gente; como te poderia dizer? – Vem!
Vem, deixa meus olhos serem a tua inspiração,
meu corpo a tua tela, meu sexo teu rio onde tu és gaivota…
pinta-me porque eu sou vida, sou amor!
Tanta coisa te diria, se não fosses tão grande,
e tão grande a distância que vai do pensamento ao papel.
Em ti, Homem, saúdo a pintura, a música, a dança, a poesia.
Obrigado, Homem, pelo que tu és.

Aurora

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