Falar de
ti, é quase uma violação.
Perdoa,
mas tu ficaste no meu pensamento. Nos meus olhos. No meu sangue.
Todo tu
estás em mim!
… e eu
sou cor nessas paredes frias do pensamento das gentes.
Porque
te desnudas assim?
Guarda o
teu segredo, e deixa-me ser eu a descobrir-te e a mostrar-te ao mundo.
Tu és Zola, Beaudelaire, Rosalia.
Tu tens
a revolta de Brell, tu tens a musicalidade de Guilhermina
Suggia, nos acordes dos
teus corpos.
Tu foste
tal Manitas del Plata quando teus olhos tocaram meu corpo
feito Mundo, feito traço.
Meu
corpo linha no horizonte,
Meu
corpo um ponto onde teus olhos curiosos e inquietos pousaram
uma vida nesse momento, Fica!
Queria
falar da tua pintura, e ver nela o que os entendidos
sabem ver e reconhecer.
Os
períodos, as técnicas, as escolas… mas como posso eu, pobre
menina pobre, tão pobre como ignorante,
falar de ti,
falar da tua Arte!
Como
posso reconhecer a subtileza do traço de Ingres, os seus nús,
a sua Odalisca tão bela, tão fria.
-
Não, não posso!
Mas
posso!... e sei dizer-te porque o sinto!
Tu vais
mais além, tu vais até ao ser!
Como
poderei falar de Modigliani, de Matisse, de Goya?
Como
poderei falar de ti, que nada entendo.
Sei que
senti as tuas mãos no recorte desse corpo
- feito meu corpo!
Senti-te
na macieza do mármore de Rodim,
Senti a
suavidade das minhas palavras já ditas.
Na tua
pintura cortada e recortada.
Se eu
pudesse ser barco, navegar no teu corpo feito mar…
e foi na
cor, na firmeza do teu traço,
que fiz
a minha viagem até séculos atrás,
viajei
até à minha rua.
Rua da
cor de papel de embrulho da mercearia do largo.
Rua
parda, suja, escorregadia.
Foi nas
tuas gentes que me vi, mas eu digo nessas outras gentes,
não
aquelas com ar de comodoro – mas nessas outras!
De
linhas suaves ou agrestes, linhas sugeridas ou mostradas.
Quisera
cantar-te, pintar-te, moldar-te!
Mas onde
estariam a Voz, os pincéis, o barro?
Tu que
és tão forte!
É na
subtileza do teu traço, Pomar que eu digo:
“que
distância vai de mim para ti? nem eu sei!”
E na
violência do teu gesto, te espero.
Espero
teu corpo todo falo perdido na montanha do meu corpo.
Se eu
tivesse a ousadia de te dizer! se tu fosses o homem que cava a terra,
dir-te-ia…
“Vem
Homem, traz a tua enxada e verá a terra por cavar em corpo de mulher, mas
mulher mesmo.”
Se tu
Homem fosses um caminhante, dir-te-ia…
“Descansa
em mim os teus pés doridos, e eu serei a tua pousada!”
Vem
Homem porque eu sou terra, sou Gaia, sou Norte.
Que
simples seria se tu fosses um operário da construção!
Vem,
Homem, e constrói-me pedra por pedra.
Se
fosses, só poeta! cantaria contigo…
Canta,
Homem,
Canta,
brada, faz da tua pena o apelo à verdade.
Mas,
Homem, não esqueças o Amor!
Se tu
fosses simplesmente um Homem…
Vem,
Homem, e faz comigo o Amor.
Assim:
Assim,
como posso eu dizer-te, se tu és tudo isto!
Tu és
toda esta gente; como te poderia dizer? – Vem!
Vem,
deixa meus olhos serem a tua inspiração,
meu
corpo a tua tela, meu sexo teu rio onde tu és gaivota…
pinta-me
porque eu sou vida, sou amor!
Tanta
coisa te diria, se não fosses tão grande,
e tão
grande a distância que vai do pensamento ao papel.
Em ti,
Homem, saúdo a pintura, a música, a dança, a poesia.
Obrigado,
Homem, pelo que tu és.
Aurora
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