quinta-feira, 21 de março de 2013

Procuro às vezes a palavra dum poeta



Procuro às vezes a palavra dum poeta
para re-haver emoções que se perderam
entre as esquivas areias do tempo.
Acabo por sentir-me um intruso na casa do poeta,
nem aqui está a libélula doce que, voando em redor da palavra,
encontra a luz e a justifica.

É dum alheio território que falo, desconhecido e irrepartível,
que fica sempre longe dos rios que por mim passaram.
Estas, repito-o, não são as minhas águas.
Esta margem não é, seguramente, aquela sobre a qual me debrucei,
nem estes os círculos da pedra atravessando o coração da água.

Estou só, mas decerto aqui perpassa,
neste lugar preenchido de símbolos cujo sentido ignoro,
a solidão dos outros.
Talvez como eu, tenham eles procurado a palavra do poeta
e, escutando-a, se sintam indecisos ante ela.

Não é este o arco, nem este o silvido da flecha
que demandará a distância que vai do meu olhar
a um alvo que me não pertence.
Somos dos outros quando, onde, em que parcela
duma in-solidária imagem de nós mesmos?

Que palavra, repito, bastaria e não a acho
entre as demais palavras do poeta?
Pouso a boca sobre a terra, confunde-me a luz, a música
e o esplendor da cor.
Poderia pegar nelas, na luz, na música, na cor,
e levá-las aos lábios. Não o farei. Sinto-as apenas
como uma migradora ave que pronto partirá.

Não poderia adivinhar-lhe o voo nem o infinito a que se propõe.
E, no entanto, acredito que ela retornará aqui, num fim de
tarde como este, talvez chegada ao apelo da voz de outro poeta,
e eu não saiba, outra vez, reconhecer nela
essoutra (exaltante e prenunciadora) ave de distâncias
que, por mim vinda, reconhece neste ilusório campo de palavras
a insurrecta sublevação das lembranças.

Hugo dos Santos
in “A Luz das Pequenas Coisas”
lido por David Cardoso

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