Procuro às vezes a palavra dum poeta
para re-haver emoções que se perderam
entre as esquivas areias do tempo.
Acabo por sentir-me um intruso na casa
do poeta,
nem aqui está a libélula doce que,
voando em redor da palavra,
encontra a luz e a justifica.
É dum alheio território que falo,
desconhecido e irrepartível,
que fica sempre longe dos rios que por
mim passaram.
Estas, repito-o, não são as minhas
águas.
Esta margem não é, seguramente, aquela
sobre a qual me debrucei,
nem estes os círculos da pedra
atravessando o coração da água.
Estou só, mas decerto aqui perpassa,
neste lugar preenchido de símbolos cujo
sentido ignoro,
a solidão dos outros.
Talvez como eu, tenham eles procurado a
palavra do poeta
e, escutando-a, se sintam indecisos
ante ela.
Não é este o arco, nem este o silvido
da flecha
que demandará a distância que vai do
meu olhar
a um alvo que me não pertence.
Somos dos outros quando, onde, em que
parcela
duma in-solidária imagem de nós mesmos?
Que palavra, repito, bastaria e não a
acho
entre as demais palavras do poeta?
Pouso a boca sobre a terra, confunde-me
a luz, a música
e o esplendor da cor.
Poderia pegar nelas, na luz, na música,
na cor,
e levá-las aos lábios. Não o farei.
Sinto-as apenas
como uma migradora ave que pronto
partirá.
Não poderia adivinhar-lhe o voo nem o
infinito a que se propõe.
E, no entanto, acredito que ela
retornará aqui, num fim de
tarde como este, talvez chegada ao
apelo da voz de outro poeta,
e eu não saiba, outra vez, reconhecer
nela
essoutra (exaltante e prenunciadora)
ave de distâncias
que, por mim vinda, reconhece neste
ilusório campo de palavras
a insurrecta sublevação das lembranças.
Hugo dos Santos
in “A Luz das Pequenas Coisas”
lido por David Cardoso
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