Oh noite mãe dolorosa

- Oh noite mãe dolorosa

Santa noite! Como vieste, tão lenta, tão dolorosa

Noite que nasceste daquele pôr-do-sol tão da cor do meu sangue

E da raiva que me confunde e me consome

Oh noite que de tão subtil tristeza

Te tornas no meu coração em violenta tempestade

Como te fui infiel, como julguei poder trocar-te pela luz do dia

Oh noite como me poderás perdoar se nem sequer tenho

Coragem para fechar os olhos e sentir-te

Estender os braços, e agarrar-te logo hoje que já foi ontem

Oh noite ajuda-me a encontrar o meu caminho,

seja esse caminho o da vida, da morte ou de coisa nenhuma

ajuda-me pois já não me conheço, já perdi a faculdade de ser eu

e sou esta, aquela, não sou ninguém

oh noite tu não sabes o quanto é difícil ter de viver de dia

encontra-me noite e fica-te, não te deixes vencer pelo dia tão branco

tão feito da verdade dos outros, dos que tudo sabem

na verdade dos Bons, dos seres tão perfeitos que julgam e não perdoam

oh noite como julguei ser o dia o Amor… e é mentira!

Chamam-te oh noite ilusão! – e ao dia verdade… abaixo a verdade

Como te amo noite, só tu és fiel apesar da minha infidelidade

Só tu não me abandonas mesmo que eu esteja ausente da noite

E não te sinta e não dê pelo roçar das tuas asas

Oh Santa Noite! Vem…

Oh noite aqui estou sentada na minha cama, e tu lá fora

Com que prazer te sinto aproximar, e vejo-te através

Dos vidros da minha janela

Vem noite, quero abrir-te a porta, os meus braços, o meu coração

Para que entres em pleno, toda estrelas, ou nevoeiro, tanto faz!

Vem noite, para ti não há janelas, muros nem serras, nem gentes – tu és forte!

Oh noite que visão de terras estranhas tu me trazes

Que diáfano prazer o teu; mas que tremenda a minha paixão

Que transforma a pureza dos teus sentidos

A tua ternura é a minha loucura

O teu silêncio e perfume tão delicados que em mim se tornam desejos

Oh noite perdoa porque eu sou terra

Perdoa-me e fica na minha vida para sempre

Mesmo que esse “sempre” seja até… amanhã

Peço-te noite, fica-te e não te deixes vencer pelo dia

Não me deixes terra infecunda

            Fica-te em mim oh Santa Noite!

Aurora Gaia