quinta-feira, 21 de março de 2013

DESPEDIDA


DESPEDIDA

Encanecida pátria de joelhos,
aqui te deixo, exausto de sofrer-te. 
Vou de olhos secos, cegos de perder-te, 
sossegar ódios velhos.
Vou destruir-te as lágrimas de rojos, 
nas mãos e mãos inertes.
Aos que sabem a ciência de vender-te 
abandono os despojos.
Vou procurar-te ao bafo de outra face 
quente, clara e agreste. 
Aconchego-te aos restos
da minha pele gasta de afagar-te. 
Vou de jornada. Aceno
um lenço breve e incerto. 
Voltarei, voltarei. Num gesto 
mais rebelde e sereno.
Ergue os teus ombros, pátria de joelhos, 
olha-me bem nos olhos para ver-te. 
Quero levar-te e ter-te
no meu ódio já velho.
(Notícias do Bloqueio, Fascículos de Poesia – 9, Porto, Março de 1962)

José Augusto Seabra
in “Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade”
Org. de José Fanha e José J. Letria
Lisboa, Terramar, 2002
lido por Ana Maria Oliveira

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