Mãe,
agora que guardaste na arca
as
blusas pretas e os teus olhos
voltaram
a ser azuis; que os meus
irmãos
dormem no seu quarto um
sono
de poderem ser felizes, que
já
conseguimos dizer uma à outra
o nome
dele no meio de um sorriso
porque
a morte, afinal, é uma coisa
tão
longe – deixa-me perguntar-te
porque
não há retratos do meu pai
comigo
ao colo, como os dos meus
irmãos
que ele trazia sempre junto
ao
peito e tu depois dividiste pela
casa
para ele poder saber que ainda
te
lembravas; ou então debruçado
no meu
berço – que tu escondeste
no
sótão ainda eu era pequena e te
sentavas
a embalar vazio quando ele
não
entendia porque estavas tão
triste.
Mãe, eram tão azuis os olhos
do meu
pai no dia em que levou os
meus
irmãos à escola e tinham tanto
medo
do que pudesse acontecer-lhes;
são
tão azuis também os olhos deles
debaixo
do seu sono, e os meus tão
negros
de dúvidas – porque foste
sempre
tu que me levaste sozinha
para
as coisas difíceis da minha vida,
que o
meu pai nem nunca quis saber
que
coisas eram. Mãe, estão hoje tão
azuis
os teus olhos com essas roupas
claras,
e eu ainda tenho o nome do
meu
pai entre as minhas lágrimas, mas
agora,
que os meus irmãos descansam
no seu
quarto, que já todos podemos
dizer
o nome dele sem nos cortar os
lábios,
diz-me a verdade: esse homem
que
chorámos era mesmo meu pai?
Maria
Rosário Pedreira
in “Poesia Reunida”
lido
por Lourdes dos Anjos
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