quinta-feira, 20 de junho de 2013

O TOQUE DO TELEMÓVEL


O TOQUE DO TELEMÓVEL

O toque do telemóvel!
Aquela voz que aguardei o dia inteiro,
o final da expectativa que não havia meio de se escoar
pelos interstícios das horas longas,
pesadas,
que se sucediam em vão!

Já não sei do que falámos,
mas as palavras não importam
nem o que elas queriam dizer.
O que interessa é que se lembrou de mim,
que quis falar-me,
que quis ouvir-me,
ou talvez certificar-se apenas de que vivo
e continuo disponível para acatar o seu apelo.

Isto que sinto, este bem-vindo alvoroço,
é com certeza paixão!
E da mais forte,
daquela que se alimenta de pequenos nadas
que são tudo,
e com os quais se exalta,
e se eleva acima das coisas e dos dias!

E das palavras também,
que algumas até são escorregadias como limos,
duras como godos arredondados pela água
em marés vivas,
e ásperas como as paredes
que às vezes se levantam entre nós,
tentando a separação.

Mas há pouco, o bendito telemóvel tocou.
Era já noite.
Houve aquele abalo de sempre, cá dentro
mas, de imediato, o universo se recompôs,
as estrelas começaram a piscar
e todos os muros recuaram,
envergonhados!

Miguel Leitão
in “Vento na Alma”
lido por Cristina Pessoa

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