NINHOS
Nos altos ramos despidos
Das tílias de ao pé do rio
Há dois ninhos esquecidos,
Expostos à chuva e ao frio.
Nas noites em que o luar
Bate nas águas serenas,
Gosto de os ver e pensar
No que foi mimoso lar
E hoje… destroços de penas.
Como lembro aquele dia!
Era o sol um esplendor
E um halo quente de amor
A natureza envolvia.
Da minha janela, o rio
Parecia-me doirado…
Tinha o velho casario
Um ar mais fresco e lavado.
A Primavera, no pleno
Ressurgir do seu ‘splendor,
Era um convite, um aceno
Às travessuras do amor.
Olhei as tílias velhinhas
Com interesse e simpatia
E vi que a seiva corria
Num abraço qu’envolvia
Todas as folhas verdinhas.
E a minh’alma, em que a tristeza
Se prendeu, tal como a hera,
Cantava co’a natureza,
Bendizia a Primavera.
Desde aí, quando o calor
Das tardes esmorecia,
Eu ficava horas a fio
Olhando as águas do rio
Em santa paz interior…
Um dia, um cantar suave
Se elevou dentro a verdura,
Um gorjeio alegre, de ave
Que do amor anda à procura.
Despois vi, num curto instante,
Um inquieto passarinho
Pequenino e saltitante
Que construía o seu ninho.
Afadigado e contente,
Sem mostras de esmorecer,
Ia e vinha, diligente,
Sempre a cantar e a correr…
E eu ali, na tarde calma,
Dizia p’ra mim, baixinho:
- Quanta força tem a alma
No corpo dum passarinho!
Era um hábito, às tardinhas,
Do meu poiso predilecto,
Espiar as avezinhas,
Senhoras do meu afecto.
Certa manhã de esplendor,
Observei, comovida,
Mais um milagre de amor:
Nascera uma nova vida,
Um terceiro passarinho!...
Um biquito aberto ao alto
Reclamado o alimento
E os pais, sempre em sobressalto,
P’ra lhe buscar o sustento.
Depois, refeito o papinho,
Adormeceu sossegado
No conforto do seu ninho,
Tão feliz!... C’os pais ao lado.
Que lindo! Que maravilha
Morar num ninho… um jardim…
Quem me dera a mim ser filha
De passarinhos assim!
O Outono chegou um dia.
Com seu manto de tristeza
Envolto em melancolia
Destruiu toda a beleza.
Veio chuva, veio frio,
E quando o vento soprou
Nas tílias de ao pé do rio
Nem uma folha deixou!
Só nos galhos desnudados
A dolorida visão
De dois ninhos destroçados
A magoar meu coração…
Maria
Ramajal Jorge
Porto,
Novembro 1947
in “Longa Metragem”
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