FONTE II
No sorriso louco das
mães batem as leves
gotas de chuva. Nas
amadas
caras loucas batem e
batem
os dedos amarelos das
candeias.
Que balouçam. Que são
puras.
Gotas e candeias
puras. E as mães
aproximam-se soprando
os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos
filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães
intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão
ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as
imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é
cada vez mais forte.
E bate-lhes nas
caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada
vez mais belas.
Pensam os filhos que
elas levitam.
Flores violentas
batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto
e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no
meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das
candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais
altas coisas
que os filhos criam,
porque se colocam
na combustão dos
filhos, porque
os filhos estão como
invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços
de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através
deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham
em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como
polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda
a sua vida.
E o filho senta-se
com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe
mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos
garfos.
E através da mãe o
filho pensa
que nenhuma morte é
possível e as águas
estão ligadas entre
si
por meio da mão dele
que toca a cara louca
da mãe que toca a mão
pressentida do filho.
E por dentro do amor,
até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo
ser reencontrado por dentro do amor.
Herberto
Helder
in “Rosa do Mundo – 2001 Poemas para o
Futuro”
lido por Dionísio Dinis
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