Vou
falar-vos de uma amiga tão distante tão irmã que
Nos confundimos uma na outra
Da história que me contou dentro das quatro paredes
Redondas como uma lágrima e densas
Como a solidão de uma cama vazia.
Era uma vez uma menina
Pobrezinha mesmo.
Não nasceu como nascem as outras meninas
Não foi nem o Espírito Santo
Nem nasceu numa manjedoura
Nem veio no bico dourado da cegonha
Nem veio da terra dos franceses
Nem veio de dentro de uma abóbora
Nem sequer de uma folha de couve
Ela foi assim botada na vida
Assim tão sem jeito de contar
A modos que nasceu e viveu dentro de si
E tornou a nascer e a viver
E vai morrendo assim devagarinho.
Falou do Porto velho e sujo
Jardim da Cordoaria Jardim das Criadas
Nos confundimos uma na outra
Da história que me contou dentro das quatro paredes
Redondas como uma lágrima e densas
Como a solidão de uma cama vazia.
Era uma vez uma menina
Pobrezinha mesmo.
Não nasceu como nascem as outras meninas
Não foi nem o Espírito Santo
Nem nasceu numa manjedoura
Nem veio no bico dourado da cegonha
Nem veio da terra dos franceses
Nem veio de dentro de uma abóbora
Nem sequer de uma folha de couve
Ela foi assim botada na vida
Assim tão sem jeito de contar
A modos que nasceu e viveu dentro de si
E tornou a nascer e a viver
E vai morrendo assim devagarinho.
Falou do Porto velho e sujo
Jardim da Cordoaria Jardim das Criadas
Magalas
e manguelas rufias
Velhos
senis e cães com fome
Prostitutas proxenetas e maricas
Onde as pobres crianças pobres brincavam
Prostitutas proxenetas e maricas
Onde as pobres crianças pobres brincavam
Ao Pilha
Galinha Choca
E ela a
fugir da polícia que corria atrás dela
Não
pisar a relva por favor! Ainda faço queixa à tua mãe miúda
Brincavam
ao
ana-ina-não-ficas tu eu não
Mas ela ficava sempre e tiravam a sorte à sorte
E a sonhar fugia para o lago e com os patos
Repartia o pão cantava e chorava
As penas dos patos as nossas penas.
Jardim da Cordoaria
Jardim dos meninos sem jardim
Dos meninos velhos sem infância
Sem janelas sem sol sem estrelas
Ao ver os pássaros voar chorava
Por não poder voar ir pelo céu adentro
Ir até às estrelas qual pássaro avisador
Ir onde houvesse jardins mas
Mas ela ficava sempre e tiravam a sorte à sorte
E a sonhar fugia para o lago e com os patos
Repartia o pão cantava e chorava
As penas dos patos as nossas penas.
Jardim da Cordoaria
Jardim dos meninos sem jardim
Dos meninos velhos sem infância
Sem janelas sem sol sem estrelas
Ao ver os pássaros voar chorava
Por não poder voar ir pelo céu adentro
Ir até às estrelas qual pássaro avisador
Ir onde houvesse jardins mas
Com
crianças mesmo
O importante era ir e não ficar ali esquecida
E o velho coreto onde a banda tocava música
O importante era ir e não ficar ali esquecida
E o velho coreto onde a banda tocava música
Música
ao longe que não entendia mas gostava
Bom
barqueiro bom barqueiro deixai-me passar tenho filhos pequeninos não os
posso criar …
Bazar
dos três vinténs
O
burro vai à feira por três vinténs
Maravilhoso
mundo infantil
Das
crianças bem na vida
Das
crianças família
Mas não
do meu mundo
Não do Porto
que viveu
Lembras-te
daquele narizito
Colado
nos vidros das montras
Por
ironia de nariz colado achatado
E que
chato já o sinto chato
E é
chato ver a vida a correr além do vidro
Ah-ah-ah minha machadinha quem te pôs a mão sabendo que és minha…
Praça dos Leões e a água sempre a correr
Leões alados onde estão as vossas asas
As vossas capas negras onde estão
Ah-ah-ah minha machadinha quem te pôs a mão sabendo que és minha…
Praça dos Leões e a água sempre a correr
Leões alados onde estão as vossas asas
As vossas capas negras onde estão
Vocês eram a força o saber o futuro
E sabia ela as suas limitações
E sabemos nós as nossas frustrações
E gritou porque foi que toda a ignorância
E sabia ela as suas limitações
E sabemos nós as nossas frustrações
E gritou porque foi que toda a ignorância
Toda a
ignorância se alojou em nós
Leões alados vós sabeis porquê
Leões alados vós sabeis porquê
Sophia!
Em ti convoco a nossa Praça
E o soldado
desconhecido
E o
passarinho que lá encontrei
Cuidou dele com desvelo
Cuidou dele com desvelo
Teve por
caixão uma velha caixa dos sapatos
Dos velhos sapatos de ver a Deus
E lá estava a estrela
Dos velhos sapatos de ver a Deus
E lá estava a estrela
Mas de basalto
que outra não podia ser
Era
também a estrela do actor António Assumpção (que está nas estrelas)
E o
ceguinho com a menina a cantar
A cantar
as cantigas de cordel
Histórias de faca e alguidar e chorava
Histórias de faca e alguidar e chorava
Santa
Mãe que estás no Céu oh mãe
Pede
a Deus pelos teus filhinhos sim
Por
causa da minha madrasta que ela dá cabo de mim
Havia
uma grande loja O Chiado
Fitas de
mil cores tanta coisa linda
Fitas de
mil cores mas só para ver
Ver como
te vejo a ti
De mil
cores se vestia em pensamento
Que
outra coisa não podia ser
Houve
sempre uma vitrine! E o Rei dos Botões e as continhas
Meu
senhor por favor dez tostões de continhas pra enfiar
Minha
menina mas de que cor
De mil
cores meu senhor
Enfio
enfiarei sentada numa almofada enfio continhas d’ouro
Salta
cá minha esposada.
Santa
que salta guardava no bolso
O sonho
feito continhas
Santa
que salta manca que manca
Oh
condessa condessinha
Condessa
de Aragão…
Tim tim
Havia o carro eléctrico era amarelo amarelinho
Se alguma janela aberta o incomoda
Se alguma janela aberta o incomoda
Peça
ao revisor que feche.
Bancos
de palhinha era amarelinho
Senhores Passageiros chegar a frente p. f.
E eram encontrões, empurrões e apalpões
Senhores Passageiros chegar a frente p. f.
E eram encontrões, empurrões e apalpões
Olha o
filho da… que me apalpou o cú
E o mar lá estava a perseguir-me e eu a ele
E o mar lá estava a perseguir-me e eu a ele
E ele lá
estava
E já havia rochas sol mar
E já havia rochas sol mar
Era tão
bom ir até lá longe
Ir até a
foz ver o mar
E trazer
o sal na minha boca e aí ficar Até hoje
E dizia-me
Sabem o que é viver no meu Porto
Não neste Porto mas no meu Porto
Com as suas noites cheias de sombras e de história
E das sombras profundas nos olhos do Sr. José
O barbeiro poeta lá da rua
E a paixão diziam por uma menina rica
Que estava sempre escondida pela cortina
E a batateira sempre a espantar a canalha espantada
Carlinhos da Sé atarefado de cesta no braço
A vender lindos aventais de chita
Não neste Porto mas no meu Porto
Com as suas noites cheias de sombras e de história
E das sombras profundas nos olhos do Sr. José
O barbeiro poeta lá da rua
E a paixão diziam por uma menina rica
Que estava sempre escondida pela cortina
E a batateira sempre a espantar a canalha espantada
Carlinhos da Sé atarefado de cesta no braço
A vender lindos aventais de chita
Eram
lindos os retalhinhos para as bonecas
Era arreliado pela canalha
Gostávamos um do outro uma piscadela de olho
Era arreliado pela canalha
Gostávamos um do outro uma piscadela de olho
O
Palácio de Cristal agora feito um espremedor
Ir lá era dia de festa ver os cisnes no lago
Ir lá era dia de festa ver os cisnes no lago
Flores e
animais comer a língua da sogra
Barquilhos
camarilos tremoços
A fava rica camarinhas ou pérolas
A fava rica camarinhas ou pérolas
Um
sorvete de dois tostões do feitio do meu sonho um barco
Pirolitos e com a bolinha jogava ao berlinde era bom
Sou primas sou sigas sou trigas
Igrejas do Carmo São Bento Congregados
Onde mulheres gastas cor das pedras
Crianças velhas por viver
Olha O Notícias Janeiro Comércio
Meninas mulheres cheias de barriga até aos dentes
Pelas crianças flor em botão
Pirolitos e com a bolinha jogava ao berlinde era bom
Sou primas sou sigas sou trigas
Igrejas do Carmo São Bento Congregados
Onde mulheres gastas cor das pedras
Crianças velhas por viver
Olha O Notícias Janeiro Comércio
Meninas mulheres cheias de barriga até aos dentes
Pelas crianças flor em botão
Pelos
velhinhos sem lar nem pão
Cheias
até à ponta dos cabelos incertos
Cheias de fome e de filhos com fome
Ó home deixas-me pra’qui botada assinhe
O seu homem tinha morrido estrubeculoso num baz home dizia ela
Ó qrida lebeme um raminho de bioletas
Cheias de fome e de filhos com fome
Ó home deixas-me pra’qui botada assinhe
O seu homem tinha morrido estrubeculoso num baz home dizia ela
Ó qrida lebeme um raminho de bioletas
Pela
alminha de quem lá tenhe
Quinda
não me estriei minha qrida
Vendiam atacadores pentes
Esticadores pr’ós colarinhos Quem quer
Com os seus pregões feitos gemidos Quem quer E ninguém queria
Vendiam atacadores pentes
Esticadores pr’ós colarinhos Quem quer
Com os seus pregões feitos gemidos Quem quer E ninguém queria
Fui ao São
João à Lapa ai da Lapa fui ao Bonfim
Estava
tudo enfeitado com bandeirinhas de cetim
São João com alho porro manjericos
Erva cidreira cravos vermelhos e farturas
Doce da Teixeira a regueifa quentinha com manteiga Vianeza
O cabrito a assar na padaria com batatinhas
São João com alho porro manjericos
Erva cidreira cravos vermelhos e farturas
Doce da Teixeira a regueifa quentinha com manteiga Vianeza
O cabrito a assar na padaria com batatinhas
A
sardinha fresca na brasa nas Fontainhas
O Notícias a sair quentinho com as quadras sanjoaninas
as orvalhadas e a murrinha e os arrolados
O Notícias a sair quentinho com as quadras sanjoaninas
as orvalhadas e a murrinha e os arrolados
Oh Sr.
Polícia cheire o meu alho Porra
Foge
rapariga se te apanho nico-te
E saltavam a fogueira e saltava o coração Olha o balão
E saltavam a fogueira e saltava o coração Olha o balão
Balão
cai cai na quinta do teu pai…
E os balões a pontear o céu e as cascatas com os santinhos dos santeiros de Gaia
Enfeitados com pratinhas brilhantes de todas as cores
E os balões a pontear o céu e as cascatas com os santinhos dos santeiros de Gaia
Enfeitados com pratinhas brilhantes de todas as cores
E papeizinhos
de rebuçados Era tão linda a minha cascata
Oh meu Senhor dê-me um tostãozinho para o São João
Oh minha linda menina mas o São João também come
Oh carago é para a cascata meu Senhor
Oh meu Senhor dê-me um tostãozinho para o São João
Oh minha linda menina mas o São João também come
Oh carago é para a cascata meu Senhor
Toma
lá cinco tostões menina
Sou primas sou sigas sou trigas
E a correr, lá íamos comprar cinco tostões de Vitórias
Oh pá já tens o bacalhau? Não? Oh…
E o cabrito? E a cobaia? Oh porra qu’azar
E alho porro senhora comadre dar o alho a quem sabe…
Sou primas sou sigas sou trigas
E a correr, lá íamos comprar cinco tostões de Vitórias
Oh pá já tens o bacalhau? Não? Oh…
E o cabrito? E a cobaia? Oh porra qu’azar
Mas o mais difícil é falar da minha rua
Por pudor
ou receio de vos chocar
Não me reconhecem lá na minha rua prisão
Rua fria feia rua sombria
Rua de ódios de raiva funda
Calada bem dentro de mim
Rua das vidas mal vividas
Rua sem calor nas almas feitas de pedra
Olhem-me bem de frente Reconhecem-me?
A minha rua suja e pobre
Rua de pouca gente boa sem história
Rua dos obscuros sentires
Rua sempre molhada escorregadia
Rua dos amantes do amor por tabela
Rua do amor vendido no vão de uma escada
Rua do amor alugado nos sexos apodrecidos
Rua do desamor rua do ciúme
Rua dos cães sem dono e sem coleira
Rua dos mendigos esperando as sopas
Rua das esperas nas esquinas
Rua da cadeia sem cadeias que nos liguem a vida
Sou o que resta dessa rua sem sol
A minha rua era assim
Não me reconhecem lá na minha rua prisão
Rua fria feia rua sombria
Rua de ódios de raiva funda
Calada bem dentro de mim
Rua das vidas mal vividas
Rua sem calor nas almas feitas de pedra
Olhem-me bem de frente Reconhecem-me?
A minha rua suja e pobre
Rua de pouca gente boa sem história
Rua dos obscuros sentires
Rua sempre molhada escorregadia
Rua dos amantes do amor por tabela
Rua do amor vendido no vão de uma escada
Rua do amor alugado nos sexos apodrecidos
Rua do desamor rua do ciúme
Rua dos cães sem dono e sem coleira
Rua dos mendigos esperando as sopas
Rua das esperas nas esquinas
Rua da cadeia sem cadeias que nos liguem a vida
Sou o que resta dessa rua sem sol
A minha rua era assim
Aurora
Gaia
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