quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

MÁ DISPOSIÇÃO

 
MÁ DISPOSIÇÃO
 
Cansado! Mesmo irritado
por o dia ter nascido com mais um sonho adiado
 
Não quero saber de nada que se passa à minha volta
que os nervos andam à solta nos olhos congestionados
Nem a notícia de caixa
nem o crime passional nem valem o sacrifício
de ter de ler o jornal sobre a guerra do Kosovo
e sobre os refugiados, e mais o seu suplício
 
Não quero saber do jovem
que morreu de overdose ou caiu numa prisão
pois antes de se tornar vício
hoje a droga é uma opção
Nem quero saber do ódio entre a mulher infiel
e o seu marido cornudo
porque mesmo sem querermos
a traição está-nos na pele, e no amor vele tudo
 
Não me falem de doenças sem perspectivas de cura
nem me obriguem a assinar processos inquisitórios
Não me falem de prodígios
nem dos vírus inventados, por homens alucinados
na sombra dos laboratórios
 
Não quero saber dos ricos que cada vez mais o são
nem dos pobres ou mendigos que resistem iludidos
pelo banquete de um pão
 
E a mim o que me importa saber que depois de Abril
há negros escravizados
e que o trabalho infantil traumatiza uma criança
Se esta nova escravatura continua a existir
e é a única esperança
para pais desempregados poderem subsistir
 
Por favor não me consumam com imagens horrorosas
de crianças denutridas que mostra a televisão
quando eu sei que as suas vidas
dependem dum presidente, que não passa dum cabrão.
 
Porquê quererem lembrar-me essa pessoa famosa
que ultrapassou as estrelas e tem sempre a porta aberta
somente porque cobriu, sodomizou ou dormiu
(assim mesmo ou vice-versa)
com a puta que o pariu, ou seja, a pessoa certa
 
Quero lá saber que hoje
haja morte na comida
e que o ar da cidade seja quase irrespirável
Que o cancro do pulmão registe grande subida
e que acabemos a vida em busca de água potável
Que temos tuberculose bem pior que a forma antiga
e mais difícil de tratar
e que há mais lepra, e a sida nos obriga a pôr camisa
na hora de fornicar
 
Quero lá saber que digam
que a matança no Quénia, no Sudão ou no Ruanda
foi para a Humanidade uma vergonha e uma perda
Por isso não me castiguem a fazer uma vigila
ou acender uma vela
Mandem-me antes à merda
 
Não me falem do futuro
nem do jogo sibilino entre o dinheiro e o poder
Nem me digam que a pobreza
E que a falta de cultura é uma maneira de estar
 
Não me obriguem a mudar só para calar a crítica
Nem me falem de política…
Mandem-me antes lixar
 
Desculpem o meu estado e todo este calão
mas hoje estou irritado e com má disposição
 
Fernando Campos de Castro
lido por Eduardo Roseira

Sem comentários:

Enviar um comentário