MÁ
DISPOSIÇÃO
Cansado!
Mesmo irritado
por o
dia ter nascido com mais um sonho adiado
Não
quero saber de nada que se passa à minha volta
que os
nervos andam à solta nos olhos congestionados
Nem a
notícia de caixa
nem o
crime passional nem valem o sacrifício
de ter
de ler o jornal sobre a guerra do Kosovo
e sobre
os refugiados, e mais o seu suplício
Não
quero saber do jovem
que
morreu de overdose ou caiu numa prisão
pois antes
de se tornar vício
hoje a
droga é uma opção
Nem
quero saber do ódio entre a mulher infiel
e o seu
marido cornudo
porque
mesmo sem querermos
a
traição está-nos na pele, e no amor vele tudo
Não me
falem de doenças sem perspectivas de cura
nem me
obriguem a assinar processos inquisitórios
Não me
falem de prodígios
nem dos
vírus inventados, por homens alucinados
na
sombra dos laboratórios
Não
quero saber dos ricos que cada vez mais o são
nem dos
pobres ou mendigos que resistem iludidos
pelo
banquete de um pão
E a mim
o que me importa saber que depois de Abril
há
negros escravizados
e que o
trabalho infantil traumatiza uma criança
Se esta
nova escravatura continua a existir
e é a
única esperança
para
pais desempregados poderem subsistir
Por
favor não me consumam com imagens horrorosas
de
crianças denutridas que mostra a televisão
quando
eu sei que as suas vidas
dependem
dum presidente, que não passa dum cabrão.
Porquê
quererem lembrar-me essa pessoa famosa
que
ultrapassou as estrelas e tem sempre a porta aberta
somente
porque cobriu, sodomizou ou dormiu
(assim
mesmo ou vice-versa)
com a
puta que o pariu, ou seja, a pessoa certa
Quero lá
saber que hoje
haja
morte na comida
e que o ar
da cidade seja quase irrespirável
Que o
cancro do pulmão registe grande subida
e que
acabemos a vida em busca de água potável
Que
temos tuberculose bem pior que a forma antiga
e mais
difícil de tratar
e que há
mais lepra, e a sida nos obriga a pôr camisa
na hora
de fornicar
Quero lá
saber que digam
que a
matança no Quénia, no Sudão ou no Ruanda
foi para
a Humanidade uma vergonha e uma perda
Por isso
não me castiguem a fazer uma vigila
ou
acender uma vela
Mandem-me
antes à merda
Não me
falem do futuro
nem do
jogo sibilino entre o dinheiro e o poder
Nem me
digam que a pobreza
E que a
falta de cultura é uma maneira de estar
Não me
obriguem a mudar só para calar a crítica
Nem me
falem de política…
Mandem-me
antes lixar
Desculpem
o meu estado e todo este calão
mas hoje
estou irritado e com má disposição
Fernando
Campos de Castro
lido
por Eduardo Roseira
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