sexta-feira, 22 de novembro de 2013

XXIX



XXIX

Hoje o dia nasceu desigual,
há qualquer coisa desigual:
a luz está ausente, o ar cheio
de um vento quieto. Tudo é denso.
Encheu-se o céu de cerejas – uma cúpula
de árvores sem tronco nem ramos,
a que não chego. Quase não se distinguem,
manta amalgamada de frutos. Como
um rio de sangue suspenso. Não se ouvem
suas águas. A terra carrega uma caligrafia
desigual e põe o dia fora da paisagem.
Todas as formas ficam no meu movimento
extático, procurando ler o que já li, desigual.
Sobre a minha cabeça abate-se a ameaça, pesa,
como uma flora de estrelas encarnadas, a traição
celeste, a fuga sacrossanta dos frutos, a maldição dos deuses.

Fernando Hilário
in “A idade das paisagens anteriores”
lido por Manuela Caldeira

Sem comentários:

Enviar um comentário