quinta-feira, 21 de novembro de 2013

NEM SEQUER PODIA



NEM SEQUER PODIA

Nem sequer podia
Ouvir falar no teu nome.
E se fixava o teu vulto,
Irritava-me, sofria
Por não poder insultar-te...
Até que um dia,
- Foi Inverno, anoitecia.
Chuviscava; - uma chuvinha
Impertinente e gelada
Como sorriso de ironia
Numa boca desejada.

Já não sei o que disseste;
Nem me lembro do que eu disse...

A chuva continuava.
Atravessámos um jardim
E à luz fosca
Dum candeeiro,
Segredaste ao meu ouvido:
- Quero entregar-te o meu corpo.
E eu acrescentei: - Pois sim.

A chuva tornou-se densa.
Eu ia todo encharcado.
Por fim, chegámos; entrei...
Um marinheiro descia
Ajeitando a camisola
E compondo os caracóis.

Era uma casa vulgar
Aonde o amor
- Oculto a todos os sóis,
Se vendia a troco da “real mola”.

Arrependi-me. Blasfemei;
Mas quando abandonei os teus braços
Senti que tinha mais alma!

E nunca mais te encontrei.

Antonio Botto
in “Mário Soares – os poemas da minha vida”
lido por Lourdes Ferreira

Sem comentários:

Enviar um comentário