Não há motivo para te importunar a
meio da noite,
como não há leite no frigorífico,
nem um limite
traçado para a solidão doméstica.
Tudo desaparece. Nada desaparece.
Tudo desaparece
antes de ser dito e tu queres
dormir descansada. Tens
direito a um subsídio de paz.
Se eu escrever um poema, esse não é
motivo para te
importunar. Eu escrevo muitos
poemas e tu trabalhas
de manhã cedo.
Toda a gente sabe que a noite é
longa. Não tenho o
o direito de telefonar para te
dizer isso, apesar dessa
evidência me matar agora.
E morro, mas não morro. Se
morresse, perguntavas:
porque não me telefonaste? Se
telefonasse, perguntavas:
sabes que horas são?
Ou não atendias. E eu ficava aqui.
Com a noite ainda
mais comprida, com a insónia, com
as palavras
a despegarem-se dos pesadelos.
José
Luís Peixoto
in “Gaveta de Papéis”
lido
por Eduardo Roseira
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