OS NOVOS
GAMAS
Que
gente é esta
que janta corpos
esfacelados pela guerra
servidos
aos bocados no ecrã da TV
com apetite já
devidamente
aguçado
pelas últimas novidades da pedofilia?
Dia em
que isso
se não
fale (felizmente raro) que funda frustração! Que
prejuízo
para as
famílias! Sem estímulo, os machos falharão
nessa
noite
as
perversas ousadias dos outros dias!
Somos
nós esta gente
que
janta esta televisão
plebiscitada
pelas audiências
nova
forma de democracia?
Que
democracia é esta?
Que
gente é esta que diz que sim a isto?
Alguns
amanhã
saberão
que estão a mais no emprego
e
também na vida.
Talvez
se suicidem mesmo que aparentemente
continuem
vivos.
Mortos
em pé é o que somos.
Em
tempos de Salazar
apontávamos
o dedo ao culpado
e sofríamos epicamente a
opressão.
Agora
nem sabemos de quem é a culpa.
Somos
envolvidos
por
vagas que nos enrolam
e
nem tentamos retomar pé.
Ah! mas
gora somos de novo navegadores
-
na Internet!
Há dias assistimos
mesmo a um homem cortar outro
em
postas
e
jantá-lo aos nossos olhos.
Os cardápios de todos os
manjares
aí estão
para que cada um se abasteça. É só clicar
e
encomendar.
Como nos
podemos queixar do nosso tempo
com
esta liberdade
ao
alcance da mão?
Que rede é
esta em que estamos
apanhados?
O
monstro que nos espreita é ilocalizável
com
seus inúmeros olhos
dispersos.
Só quando arremete fugimos
dos incêndios
e enxurradas
ciclicamente
previsíveis mas ignoradas pelo nosso não
querer
saber.
Nosso,
de quem?
Da aldeia global, de
facto, mas que mal
cuidamos
das
nossas palhotas!
Batemos o
triste recorde de todas
as
estatísticas
do
horror:
das mortes por SIDA e por excesso de
álcool e
de velocidade,
do
insucesso escolar, da violência doméstica e dos
homens
que recorrem
à
prostituição.
Que gente é esta? Somos nós? Foi
esta a reles
liberdade
que
conquistámos?
Ah! mas
temos tão bom coração! – excepto quando
perdemos
a cabeça e matamos as mulheres e os filhos
à
pancada.
Mas
gostamos tanto de animais! É ver como os levamos
a
passear
nas ruas
isto é, a cagar as ruas
e quem quiser que limpe
ou escorregue.
Queremos
cá saber que o vizinho meta a pata na merda
do
nosso cão!
O cão é
nosso a pata é dele e a merda é de todos.
Que
gente somos nós
a encher
a boca com a palavra cultura
coisa para
alguns capatazes
encherem
os bolsos a comissariar exposições e salões
internacionais
- que
eles desprezam tudo da parvónia pátria
excetuando
as suas
cosmopolitas
pessoas.
É claro que há ainda uns
quantos viciosos
que se
vão entregando aos seus solitários prazeres.
E há
também
os
exibicionistas
não por tara mas por negócio
com
erecções mantidas a poder de fita-cola para o
ecrã
da televisão
ou da
página.
E os voyeurs, claro, que com tão
pouco se
contentam
e
distraem.
Que amor é agora o dos nossos Pedros
e suas
amadas
Ineses?
Não,
navegar já não é preciso
já não é possível!
Ou
por outra, sim, mas
na
Internet! Ah! aí somos de novo destemidos Gamas.
A
gamar nos sites
informação
para exames, para as teses, para os
artigos
de jornal!
Que
saber é este que vamos apanhar nos caixotes do
lixo das auto-estradas
da informação?
Quantos Camões e Pessoas seriam
precisos
para
repoetar este pobre país
tão
prosaicamente pechisbeque?
Em
tempos de Salazar cada poema era uma arma
cada
poeta
um
guerrilheiro.
Agora os guerrilheiros estão no
desemprego
ou na
reforma e as montanhas arderam.
Subo
ao mastro real
da nossa
Nau Catrineta para ver se vejo salvação
no
horizonte:
enxergo
na praia rostos jovens que a nós
os velhos guerrilheiros
que
conhecemos a sísmica liberdade do 25 de Abril
perguntam
o que
fizemos dos cravos.
Para lhes responder e para tentar
descobrir
nos seus olhos alguns indícios de luz
escrevo
envergonhadamente
este poema
se
assim lhe quiserem chamar
Teresa
Rita Lopes
lido
por Lourdes dos Anjos
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