MANUEL
ANTÓNIO PINA
Um dos
maiores poetas portugueses contemporâneos, agora numa edição selecionada de sua
obra poética. Autor de quinze títulos, desde o primeiro — Ainda não é o fim nem
o princípio do mundo calma é apenas um pouco tarde (1974). Ganhador do
Prêmio Camões 2011,
Farewell happy fieldes – IV
Farewell
happy fields
where joy for ever dwells: hail horrors...
Milton,
Paradise lost
(Adeus
campos felizes; remorsos: adeus.)
vamos os
dois ao longo dos dias felizes
conversando
e ouço o que dizes
como se
quem falasse fosse eu;
(adeus
palavras, sonhos de beleza,
montanhas
desoladas da infância
donde
tudo se via: a alegria
e a
cegueira do que não se via;)
vês
agora o que eu vejo, a minha sombra
caminhando
a teu lado num tempo sem sentido,
quando
eu ainda não tinha morrido?
(Adeus
perfeição, adeus imperfeição.)
Às vezes
pergunto-me se valeu a pena,
se não
haveria outra solução,
se não
poderia, por exemplo, ter embarcado
num
desses barcos que aparecem sempre
milagrosamente
na última estrofe,
e se tu
não poderias ter ficado
no cais,
ou em alguma metáfora mais
imperiosa,
partindo também donde te via,
e se
assim não teria tudo sido
menos
improvável e menos cansativo.
Infelizmente
não havia barco onde
coubéssemos
eu e as minhas lembranças;
tudo o
que havia, tudo o que realmente havia,
a ti o
tinha dado
e,
dando-to, tinha-to roubado,
e a
minha própria morte pairava
entre ti
e mim indecisamente,
como uma
ideia, não como algo presente.
Agora
volto a sítios vastos
uma
última vez. Com hesitantes passos
subo as
escadas e bato à porta
e tu
abres-me a porta mesmo estando morta
e mesmo
eu estando morto, como se fôssemos
visitados
pelo mesmo sonho.
lido
por David Cardoso
Sem comentários:
Enviar um comentário