quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

ERA UMA VEZ

 
ERA UMA VEZ
 
Andava um sável nadando
Nas águas negras do Douro,
Era a vida procurando
Ninho para o nascedouro;
Mas prendeu-se, porém, num anzol!
Foi-se-lhe a vida, o norte
E o peixe brilhando ao sol
Pegou à vida com a morte!
 
Era um leitão pequenino,
Que ‘inda há bem pouco nasceu,
Mas um destino assassino,
Olhou-o e ele pereceu!
Depois, com requintes o assou;
Pô-lo na mesa e fartou-se,
Logo o leitão se esfumou;
Tão cedo a vida gorou-se…
 
“Eles comem tudo, eles comem tudo,
Eles comem tudo e não deixam nada”
 
Era um galo tão novito
Inda ensaiando o cantar,
Mas o galo-pai vê no dito,
O rival; eis o caos no lugar.
O dono mira o frangote
E depois olha a panela,
Pede à mulher um fartote
De franguinho à cabidela.
 
Uma lagosta espraiava
Com os iguais seres marinhos;
Já o pescador preparava
má sorte para os bichinhos.
A lagosta vai prá panela,
Morre na água a ferver…
Eu sofro com as dores dela!
Como a maldade entender?
 
“Eles comem tudo, eles comem tudo,
Eles comem tudo e não deixam nada”
 
Custa caro a mariscada
E mais caro fica ao peru;
Antes da pena arrancada
É vermos o seu corpo nu,
A ave é embriagada.
Não sabe o pobre animal,
Que após a boa golada
Dão-lhe a morte em ritual.
 
Serpenteava a lampreia
Entre os rios de Portugal;
Mas ai que, de volta e meia,
A voracidade animal
Ataca e era uma vez!
É comida com tal apreço…
Mas não é todo o português…
Pelo requinte e o preço.
 
“Eles comem tudo, eles comem tudo,
Eles comem tudo e não deixam nada”
 
E as enguias? Ai senhores!
Quem para elas pode olhar?
Pra mim é cena de horrores,
Mexem no óleo a fritar!...
É tão dantesca a imagem
Que eu de fome bem morria,
Pois não teria a coragem
De dar tamanha agonia!
 
Lembro-me daquela senhora
Que criava no seu quintal,
Com seu jeito de amadora,
Pra além das couves, um pombal;
Traz uma pomba, dá-lhe um beijo
E ouço o crac de um osso.
Horror, o que então eu vejo:
Torcer à pomba o pescoço!
 
“Eles comem tudo, eles comem tudo,
Eles comem tudo e não deixam nada”
 
Somente a terra é perfeita!
Deixa tão limpo o espaço
E acaba qualquer maleita.
Tudo morre em seu regaço!
Não vai à pesca ou à caça,
Não tem porta nem janela,
Mas vai limpando a desgraça
Que espalham ao redor dela.
 
“Ela come tudo, ela come tudo,
Ela come tudo e não deixa nada”
 
Junho 2009
Maria de Lourdes Martins

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